Aos poucos o espírito foi-se
afinando, -
Com o
roer dos dias na moenda.
Perdi
o fio antigo – A ilusão primeira –
Daí
perdi todas as ilusões; resta
a derradeira –
-
O Silêncio –
Porque
tive de ser tudo menos o previsto?
Estar
em todas as partes e ausente de mim?
Deploro
o destino que escreveu-me n’alma,
Ou
foi min’alma que não seguiu o destino?
-
Talvez não exista destino e nem alma;
para
que toda a culpa e sofrer pertença
ao corpo
Ao
corpo e a consciência.
Fui
tudo o que eles quiseram que eu fosse,
Menos
o que sempre quis ter sido;
Vendi água de poço
Fui padeiro
Carreguei leite engradado
Ajudante de pedreiro
Vendi balas e doces,
Belas falsas
belas
falsas,
Na
estrada do nordeste
Quando
passam os caminhões
Apinhados
empoeirado
De
nordestinos ao Rio.
Há…
Já
fui tantas coisas para os outros
Que
talvez tenha esquecido o que
realmente queria
Basta
de ser Porto.
Quero
ser Jangada
E
sair por aí ao sabor
Dos
ventos e das ondas
Bater
em praias desertas
Em
ilhas nunca encontradas,
Soçobrar
em mar bravio
Apodrecer
nos recifes
Ou
reclusos em crateras
Por
ninguém inda exploradas.
Basta
ser Porto,
quero ser Jangada
Eu
que nunca acreditei muito
em min mesmo
Mas
sempre religiando os sonhos
que não me
pertenciam.
Eu
que nunca atirei pedras
aos santos
Pagando,
entretando, por estes pecados,
Desculpando
o vulgar que havia
nos outros
Reprovando
o incomun que diabólicamente
em mim nascia.
Aos
diabos…
aos diabos a consciência,
Que
nunca provou de Deus,
Aos
inferno…
aos infernos Deus,
Que
nunca provou da consciência.
Aos
poucos o espírito foi-se afinando
De
monarquia à república,
Da
prisão total à uma liberdade
Incomensurável,
Sufocando
têmporas e olhos
E
nariz e garganta
De
expectador à artista
nesta falsa peça do
viver.
De
relhador à cavalo
à liberdade
à
república.
Mas
basta!…
Basta
de ser Porto.
Quero
ser Jangada ao Mar… ao Mar… ao Mar…