segunda-feira, 25 de março de 2013


PASSAGEM DAS HORAS

Inconformado;
Entre o fumo e a fumaça
Entre o porto e a jangada
Entre o vento e a rosa
De pé
Entre a poeira e a estrada
Entre o pecado e a purificação
Entre a sombra e a luz.
Assisto
Entre o mar e os abrolhos
Entre o sonho e a realidade
Entre Deus e a prece
A inevitável,
Passagem das horas

14/06/1973


PARA ESPANTAR TRISTEZA


Ninguém que assumir o compromisso do
Enlaçar as mãos
Ninguém quer assumir o compromisso do
Repartir  peixe e  pão.
La fora um galo canta, um canto triste de cantar
Sozinho,
E o homem passa um passo pouco de passar
Mesquinho.
Deuses distantes desta terra d' homens
Descompromissados.


Não falem coisas que a tristeza tece
Prece
Messe
Não falem coisas que não tem apreço
Preço
Tropeço
Não falem coisas que o sangue arroja
Soja
Camboja
Não falem coisas que não tem valor
Dor
Amor
Não falem coisas que da nos piedade
Orfandade
Liberdade


Não teçam tristezas, não falem de guerras
Eras
Feras
Não falem de coisas que a morte consome
Nome
Fome

Falemos de coisas
Que nós já não temos
Que nós já perdemos
Tentando mudar.
Luares, falenas,
Fandangos, avenas,
Canções de ninar.
Das noites de prata


Das nuvens de nata
Do cheiro gostoso
Tão simples, mimoso,
Que tem o alecrim.

Cadeiras, calcadas,
Meninas rendadas,
Rapaz de carpim.
Da água de bilha
Da benção da filha
Que nós já esquecemos
De abençoar.
Podemos falar,
Violas
Zabumbas
Marimbas
Pandeiros

Congadas
Cheganças
Reisados
Podemos cantar
"O lá da proa
O lá da proooa"
Não falem coisas que a tristeza tece
Que nós entristece
Que não tem apreço
Que o sangue arroja
Que dá-nos piedade
Que a morte consome
Preço
Camboja
Liberdade
Fome

Não falem coisas que já não tem valor
O amor

OS HERDEIROS

                                                                   A JOÁO CABRAL DE MELO NETO



Herdamos o móvel o imóvel o teto o chão,
A ética, a pena, a fantasia, a comiseração
A marmita requentada, os mesmos tratos,
A cultura elitista, o álbum de retratos,
Herdamos os arquivos e as mazelas,
A passividade de estar sempre as janelas.

Herdamos o espírito confuso, a alma ansiosa,
A foice, o campo, o sangue, a viola, e a prosa.
Herdamos o luto, o leite, o agravante, a fuligem,
A inércia, o verso,  o agravante, a origem,
Da miséria, o beco, a lama, a ma conduta,
O chapéu de palha que não se sepulta.

Herdamos o luxo, cadeiras estofadas,
O castelo de ficção, as leis das calçadas,
O senso capitalista, ou o que seja desforme,
A febre do poder, a fama, a vontade enorme,
De comer c’oa burguesia no mesmo prato,
A roupa, o jeito, o gesto, o ridículo sapato.

Herdamos o dia, a noite, a vida e a morte,
As pedras do caminho, a falta de sorte,
A rede, a preguiça, os santos, a romaria,
A pouca fé, a aguardente, o amor de Maria,
Herdamos a moral, o lixo,  a casa de barro,
A profissão a maneira de pegar no cigarro.

Bem aventurado Deus que não teve este destino
De na vida se chamar – O homem o Severino.


O POETA



Quero ver quem  sequestra a luz da lua
E atira um soneto, enluarado.
Quero ver quem ajuda o desgraçado
E agasalhe a infância nua

Quero ver quem assalta ou atenua
O sofrer, de um destino malfadado,
Quem respeite a velhice e o encantado
Direito de quem anda pela rua.

A vida é mais que violência e dor.
E o verde, a fonte, a montanha bela,
A flor com sua forma, aroma, matiz.

O que faltou para o homem ser feliz?
Quero ver quem rouba a luz da estrela
E projeta um futuro com amor.


O NEGRO E O MUNDO

O negro menino
Sonha no mundo
Brinca com a fome
Zomba da dor.
O negro sorrindo
Das dores sorrindo
Da fome sorrindo
Sorrindo do amor

O negro crescendo
A terra o envolvendo
Lutando o guerreiro
Reclama feroz.
-o mundo é meu mundo
A dor é só minha
Se choro a daninha
Abafam-me a voz

O negro vagando
Sem fé caminhando
Talvez procurando
O que não perdeu.
A benção divina?
O Deus que o ilumina?
Responde um errante
Também feneceu.
Ò negro teu mundo
É meu mundo escasso
Vazio no espaço
Sem dono sem rei.

Se a dor tudo isola
Prá que a esmola?
Prá que o teu grito?
Tu és o infinito
Tu és eu falei..

O negro cansado
Diz amargurado
O mundo é negro
Mais negro que eu.
Repete o errante
O mundo vibrante
Intenso falante
É negro tão negro
Ou mais negro que o teu.

Se alguém no infinito
Ouvisse esse pranto
Diria – esses cantos
Formou um coral

Meu negro meu mundo
Imenso profundo
Tens por oriundo
O negro universal...


 O Cego e o cão

O cego entrou no boteco com seu velho
                                                                                     Cão-vigia
Sentou-se na cadeira de sempre, deu três pancadas no chão
Com o antigo cajado,
Fingiu que olhava para o balcão, repetiu a frase de todos
                                                                                     Os dias
“Minha pinga, Sebastião. Minha pinga.”
O cão deitou-se como de costume fazendo um ângulo reto
A cabeça nos pés do cego, o corpo estendido ao mundo.
De repente o cão deu dois longos suspiros,
Possivelmente, um em louvor a vida, outro a morte.
E parou de respirar.
“Outra pinga Sebastião. Outra pinga.”
E cuspiu no cimento crespo, sem direção.
Ficou silencioso como se fora mudo
Pálido, como se não andasse sob o sol
Imóvel como se o sangue não corresse nas grandes veias.
Deu um longo suspiro como quem envelhece mais um dia
Levantou-se, desfez o ângulo reto, e deixou uma linha
Grossa e escura, no cimento poroso da vida.
E saiu da boteco, tateando com  o seu cajado no chão.
Tolo como quem pensa.
Perdido como quem enxerga.

                                                               

MENSAGEM


Meu céu
Esta tão turvo
Que não posso
Divisar
O esplendor
Das estrelas
Boiando
No infinito.

Sei que
Elas existem
Pois, sinto
Suas mornas
Luzes
Me afagarem
Como uma
Mensagem
De consolo
E esperança.


MARIA


Maria me espera
C'oa cara de lua
Com os pés nas estrelas
Com ânsia de amar 

Maria me espera
Com os olhos na rua
Cabelos de ondas
Mais belos que o mar 

Maria me espera
Com pratos na mesa
Lençol prateados
Assim toda nua 

Maria me espera
Com flores nos seios
Que vou te buscar.



LOJA DE BRINQUEDOS


Taí a loja de brinquedo
A boneca que chora,
O soldado de chumbo
O cachorro de pelúcia
A roda gigante
Para a dimensão dos brinquedos.
O homem de borracha
A boneca de celulóide
Vestida de noiva.
O macaco tocando tambor.
Tai a loja de brinquedos
Que Ele fez para se divertir.
A confusão dos sentimentos
Estampados em cada brinquedo.
O riso enigmático do palhaço
Tai o espantalho fincado
No meio do mundo
Recusando-se a brincar.



Dizem que o amor é ouro porque brilha
É fogo a arder. É luz incandescente.
Das estradas da vida, única trilha,
Cristal precioso mui (brilhantemente)

Dizem que o amor é a única cartilha
A quem deve ensinar o ser vivente.
Crista dorsal, o leme, uma quilha,
Conduzindo em altos mares o amante.

Dizem que o amor é a estrela vespertina
Que consola, liberta e ilumina,
É vertigem, é loucura e entrega.

Digo que o amor isola porque – ilha
Dizem que o amor é ouro porque brilha,
Digo que o amor é ouro porque cega.  

domingo, 24 de março de 2013


Letre a mon fils

És o retrato do que fui, de uma grande parcela da criança brasileira.
Sofridos,ultrajados, pelos pais-padrastos, que biológicamente nos fizeram,
                                                                                  E nos desconheceram.
Sem qualquer amor, somos o resultado de suas frustrações, dos conflitos
                                                                                  De suas vidas.
A negação dos seus sentimentos, a vingança do que eles, possivelmente
                                                                                  Também não tiveram.
Formando a cadeia do sofrer, da ignorância cega. O resultado do sexo
                                                                                  Sem o amor.
És o produto do que tinha tudo para dar errado, E que deu certo,
                                                                                  Pela sensibilidade,
Para provar que o imprevisível acontece quando se quer, quando se nasce
 Para crescer.

                        Como as favelas
                        A batata florescendo na Terra
                        As bananeiras.

Isto nos fez maiores, porque nascemos fecundados de nos mesmos.
Isto nos fez poetas, porque antecipadamente, conhecemos a dor nos
                                                                                  Dias verdes da existência,
Isto nos fez humanos, De longe conhecemos alguém com o estomago vazio
                                                                                  E a lágrima antecipada.

                        Embelezamos porque flor
                        Voamos porque cometas
                        Brilhamos porque estrelas.


                                   I I


És o retrato do que sou, olhar marejado de alegria e dor, distraído e
                                                                                  E sério pensador.
Quase  inútil,  como o pensar sério sobre a vida, a razão profunda sobre
                                                                                   Todas as coisas.
Quase inútil,  como o poema não lido, a música que não foi tocada, a tela
                                                                                  Em branco.
Que insiste em ser lida, musicada, e com formas e cores que tenham
                                                                                  Sentido.
E nada nos impele de seguir adiante, viver ou viver, não há escolha.
                                                                                  Seguir avante.
É a nossa proposta, o sangue nas veias, um sonho na mente,
                                                                                  Coração pulsante.
Já que somos frutos da ignorância, de uma consciência vazia,
                                                                                  Canalha.
Temos que aprender a caminhar e ser feliz, no fio perigoso,
                                                                                   Da navalha.

                                   Bebendo o mel das flores
                                   Observando os poentes
                                   Dançando com os amores.


                                               I I I


Encara a dor de frente, pálido, sereno, com calma.
Não deixe que te agridam demais, guarda tua alma
                                                                       Para o que realmente importa.
Um olhar brilhante, um sorriso sincero, um leve beijo nos lábios,
                                                                       À quem bater em tua porta.
Não tenha pátria, que a arte seja a  tua nacionalidade, teu documento.
                                                                       Passaporte.
O teu motivo de vida, o verdadeiro Caminho, teu prumo
                                                                       E norte.
O mundo é de todos, o mundo é um só, mesmo assim nos sentimos
                                                                       Estrangeiros.
E na realidade somos, nuvem que passa, chuva que deságua, apenas
                                                                       Passageiros.
Sem perguntar porque vamos, para onde, que nave é esta, aquela?
Observa apaixonado este vôo, sem sofrer,  como se estivesses em
                                                                       Uma janela.


                                   O passar das horas
                                   A criação das coisas
                                   Observa Deus.

                                               IV



Tenhas sempre às mãos uma flor para ofertar e uma espada
                                                                       Para se defender.
Não negocies tua consciência, não exite felicidade se não fores sincero
                                                                       Contigo mesmo.
Não penses demais a ponto de não seres feliz, nem pense de menos a ponto
                                                                       De te prejudicares.
Ame demais a ponto de seres feliz ou infeliz, até que a chama se apague
                                                                       E voltes a lucidez.
O estar só ajuda a  enxergar a nós mesmos.
O estar só ajuda a sermos fortes, sem fazer da solidão uma doença,
Ou um refúgio para não sofrermos. Ser natural é o óbvio para
                                                                       Crescermos.
Até o cacto do deserto, espinhoso e áspero, é verde e contém
                                                                       Beleza.

                                   Macambira
                                   coqueiros
                                   Xanana flor
                                              
                                               v

Nunca estarei longe de vocês, nem na alegria e principalmente,
                                                                       No sofrer.
Se sou feliz, devo a vocês esta alegria, esta vontade de viver.
Este desejo de caminhar juntos, este consolo de ver nossos cabelos
                                                                       Brancos.
Esta preocupação de vê-los com saúde e felizes, dormindo no silêncio
                                                                       Dos nossos abraços.
Na lembrança dos rostos juvenis, que agora amadurecem no sono
                                                                       Dos justos.
Nada foi mais importante para mim, do que vê-los unidos e felizes.
Nada foi mais importante do que vê-los sem a corrente que traz
                                                                       A necessidade.
Nada foi mais importante para mim do que o carinho que vocês
                                                                       Dedicaram-me.

                                   Verde caminho
                                   Branco sorriso
                                   Brilhante alvorada

                                               VI

Guarda o  amor que te dou, cheio de brio,
Que orgulhoso contigo frente a frente,
Serei o teu escudo e o teu refúgio,
Nos teus dias de fé, dias descrentes.

Guarda o amor que te dou,  amor crescente,
Para sempre será  o teu refúgio,
Ele fará de ti,  homem valente,
E será o teu conforto e relicário.

Não temerás tempos de pouca sorte,
Sabes que por mim foste adorado.
E nem lamentarás a própria morte.

O que importa na vida é estar em paz,
Sorrir, sem renegar o teu passado,
O homem vale pelo que ele faz.






                       
                                  







LAVOURA GONÇALO

No meio da praça
Da minha cidade
Um homem vontade
Cigarro e chapéu

No meio da praça
Com chuva e com frio
Um homem arredio
Vislumbra o céu

As suas mãos campos, construções,
No seu olhar, progresso, aluviões
De terras, rebocos, enxurradas. 

Marca o relógio
O tempo que passa 

No meio do mundo
Do meio da praça
Vontade e chapéu
E cigarro, enlaça
Buscando o porvir.

Ao longe o sino da igreja triste.
- a fonte luminosa ainda existe?
- na memória a colorir. 

Pergunto a chuva
Ao vento que passa
Quem e este homem?
Futuro e chapéu,
Lavoura Gonçalo,
É tua cidade
Com chuva e com frio
No meio da praça.

JOGO E POESIA


Irene despertou para o mundo como uma mulher
Loura e bonita
Eu menino triste e pensativo contando estrelas.
Irene casou-se, engordou e teve muitos filhos,
Eu enlacei-me a solidão e multipliquei pensamentos
Irene desgostosa com o marido que bebia começou
A jogar,
Eu triste com o mundo em que vivo comecei
A escrever
Irene acreditava na sorte.
Eu acreditava na vida.
Todos os dias ela passa horas a fio escrevendo
Jogos
Todos os dias passo hora  a fio escrevendo
Versos
Ela fica aborrecida se não joga
O dia e branco se não escrevo
Não ha sentido para Irene se não houver o jogo
Sinto-me inútil se não houver poesia
Se o jogo não for ganho
E a poesia não for lida
Irene e eu estaremos sem sentidos
Pois eu poeto o jogo
E Irene joga a poesia.
Irene e eu estamos de frente para o vicio,
Tentando dar sentido a tudo com estes elementos
Jogo a poesia


INTERLÚDIO


Pôr alguns momentos repouso meus olhos 
No papel branco 
E minha mão desliza para registrar este 
Momento 
Aparentemente estático 
Tenho as pernas cansadas e o coração triste
Tenho os olhos úmidos e a vontade de
Chorar um rio. 
Tenho 45 anos, mas parece que vivi a 
Idade da pedra 
Tal como um bólide me inflamo
 Sentindo 
Que desaparecerei na atmosfera

Tenho pressa, não sei o que me empurra 
Para frente, para o alto.

Sei que todo eu sou uma grande
 inquietação 
Um pranto.

Um grito sufocado
Um tapa no escuro 
Uma defesa

Uma musica que nunca foi tocada 
Esquecida na pauta 
Uma garoa, chuva, uma torrente d' água 
Caindo a terra. 
Um vulcão que não se cansa de vomitar 
Larva 
Um choro de criança, um grito de mulher 
Parida, 
Uma ave tentando alçar o vôo,
Umas mãos postas em prece
Uns grandes olhos atentos,
Tentando 
Descobrir Deus.


Há um rio de palavras em  minha terra que se transformam em poesia.
                                                        O Potengi é Rio e poesia.
                            Brancas velas
                            Verdes cocos
                            Brisas Fortes
O que não queima no lajedo lapida as almas das palavras.
                            Gás do candeeiro
                            Marrafa e vovó
                            Lida e cangaceiro
O que não mata engorda e torna-se poesia.
                            Cabra da peste
                            Casa de taipa
                            Luz que alumia
E jogo de apoito, quem quiser que pegue a poesia
                            Confeito
                            Chegança
                            Caninga
                            Zabumba
                            Sebito
                            Bufete
Vixe! Roubaram-me tanto que quase levam o meu sotaque
                            Titia
                            Sendeiro
                            vexado
                           
Mastigo, engulo e bebo de uma lapada só o verbo das ruas.
                            Canguleiros
                            Caatingas
                            Retirantes
Pra não causar vuco-vuco, lamber os beiços e  adoçar o verso:
                            Roletes de cana
                            Pirão com mangaba
                            Beber cajuína
Na Ribeira a poesia se derrama e vai desaguar nas docas
                            Rocas da minha infância
                            Poço do Dentão
                            Feijão verde e mungunzá
                            Roda de côco e quengas
                            A cantar e dançar
A alça do califon da menina deixa entrever os seios de pitombas
                            Que embriaga sem ser cachaça
                            Que tonteio sem rodar
                            Liso, lerdo, leso.
Há um rio de palavras que desembocam no mar da  poesia
O luar de Pirangy  tece filigranas de pratas  com suas espumas ao  olhar
Doira o poente de Areia Branca com reflexos no imenso mar.
Eu, reposteiro guardo este tesouro no matulão.
Mãos de rendeiras e dedal.
Há um rio de nomes na cultura em que aprendi a soletrar
                            Câmara Cascudo
                            Auta de Souza
                            Ferreira Itajubá
                            Diógenes
                            Enélio
                            Dorian
“A tecer ouro fino, Ó to lindo. Para no mar navegar.”

                           
Há um rio de palavras e nomes e lembranças que desembocam no mar de minh`alma e me faz versar
                   A antiga rua do Areal
                   Rio grande do Norte - Natal