domingo, 24 de março de 2013


A FILHA DO CASEIRO


Ontem a filha do caseiro completava
O seu cotidiano;
A enxada na mão, pézinhos no chão, no peito
Uma grande vontade de ser uma criança normal,
Travessuras e bonecas;
Mas ali estava com suas mãos calosas e cabelos
Desgrenhados,
Com suas roupas rotas e o estômago vazio.
Uma fresta de escuridão na luz do mundo
Uma erva daninha que não nos envergonhávamos
De cultivar
Um espantalho fincado no jardim da humanidade.
Ontem a filha do caseiro completava
Seu cotidiano
Frente a ela duas meninas falavam de jóias e livros
E o perfil das três estarreceu-me como uma
Porrada na cara
Sentido que já haviam aprendido a diferença do ouro
E do pão,
Do campo e da cidade, da bonança e da miserabilidade
Ensinamos olhares superiores conforme nossas contas
Bancarias
Ensinamos um sorriso cínico para diferenciar
A enxada e o livro
E as três meninas da mesma idade, separadas pelo
Condicionamento.
Ontem a filha do caseiro completava
O seu cotidiano
Com uma feriada na perna e com os olhos brilhando
Como os pontos cardeais
Com uma chaga no peito e o sorriso de uma aurora
Boreal
Com os pés no chão e o coração no céu, em uma
Prece constante
Tentando ser uma criança normal
Ontem a filha do caseiro completava
O seu cotidiano
E tornou-me mais humano, meu verso triste, minha
Concepção mais natural.
Ontem não precisava ter tido um sol tão forte
De uma lua tão clara, de um céu tão limpo
Quaisquer navegantes identificariam os pontos
Cardeais.

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