segunda-feira, 25 de março de 2013


OS HERDEIROS

                                                                   A JOÁO CABRAL DE MELO NETO



Herdamos o móvel o imóvel o teto o chão,
A ética, a pena, a fantasia, a comiseração
A marmita requentada, os mesmos tratos,
A cultura elitista, o álbum de retratos,
Herdamos os arquivos e as mazelas,
A passividade de estar sempre as janelas.

Herdamos o espírito confuso, a alma ansiosa,
A foice, o campo, o sangue, a viola, e a prosa.
Herdamos o luto, o leite, o agravante, a fuligem,
A inércia, o verso,  o agravante, a origem,
Da miséria, o beco, a lama, a ma conduta,
O chapéu de palha que não se sepulta.

Herdamos o luxo, cadeiras estofadas,
O castelo de ficção, as leis das calçadas,
O senso capitalista, ou o que seja desforme,
A febre do poder, a fama, a vontade enorme,
De comer c’oa burguesia no mesmo prato,
A roupa, o jeito, o gesto, o ridículo sapato.

Herdamos o dia, a noite, a vida e a morte,
As pedras do caminho, a falta de sorte,
A rede, a preguiça, os santos, a romaria,
A pouca fé, a aguardente, o amor de Maria,
Herdamos a moral, o lixo,  a casa de barro,
A profissão a maneira de pegar no cigarro.

Bem aventurado Deus que não teve este destino
De na vida se chamar – O homem o Severino.

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