OS HERDEIROS
A JOÁO CABRAL DE MELO NETO
Herdamos
o móvel o imóvel o teto o chão,
A
ética, a pena, a fantasia, a comiseração
A
marmita requentada, os mesmos tratos,
A
cultura elitista, o álbum de retratos,
Herdamos
os arquivos e as mazelas,
A
passividade de estar sempre as janelas.
Herdamos
o espírito confuso, a alma ansiosa,
A
foice, o campo, o sangue, a viola, e a prosa.
Herdamos
o luto, o leite, o agravante, a fuligem,
A
inércia, o verso, o agravante, a origem,
Da
miséria, o beco, a lama, a ma conduta,
O
chapéu de palha que não se sepulta.
Herdamos
o luxo, cadeiras estofadas,
O
castelo de ficção, as leis das calçadas,
O
senso capitalista, ou o que seja desforme,
A
febre do poder, a fama, a vontade enorme,
De
comer c’oa burguesia no mesmo prato,
A
roupa, o jeito, o gesto, o ridículo sapato.
Herdamos
o dia, a noite, a vida e a morte,
As
pedras do caminho, a falta de sorte,
A
rede, a preguiça, os santos, a romaria,
A
pouca fé, a aguardente, o amor de Maria,
Herdamos
a moral, o lixo, a casa de barro,
A
profissão a maneira de pegar no cigarro.
Bem
aventurado Deus que não teve este destino
De
na vida se chamar – O homem o Severino.
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