segunda-feira, 25 de março de 2013



 O Cego e o cão

O cego entrou no boteco com seu velho
                                                                                     Cão-vigia
Sentou-se na cadeira de sempre, deu três pancadas no chão
Com o antigo cajado,
Fingiu que olhava para o balcão, repetiu a frase de todos
                                                                                     Os dias
“Minha pinga, Sebastião. Minha pinga.”
O cão deitou-se como de costume fazendo um ângulo reto
A cabeça nos pés do cego, o corpo estendido ao mundo.
De repente o cão deu dois longos suspiros,
Possivelmente, um em louvor a vida, outro a morte.
E parou de respirar.
“Outra pinga Sebastião. Outra pinga.”
E cuspiu no cimento crespo, sem direção.
Ficou silencioso como se fora mudo
Pálido, como se não andasse sob o sol
Imóvel como se o sangue não corresse nas grandes veias.
Deu um longo suspiro como quem envelhece mais um dia
Levantou-se, desfez o ângulo reto, e deixou uma linha
Grossa e escura, no cimento poroso da vida.
E saiu da boteco, tateando com  o seu cajado no chão.
Tolo como quem pensa.
Perdido como quem enxerga.

                                                               

Nenhum comentário:

Postar um comentário